quarta-feira, 18 de maio de 2011

12 de Setembro de 2010

  Decidi não ir à festa do Jorge.
  Expliquei-lhe o porquê e ele foi bastante querido, pelo menos esforçou-se por o ser, mas no fundo eu sei que ele se sentia frustrado por eu não ir. Apesar disso disse-me que não seria a mesma coisa sem mim e que se fosse até me poderia divertir um pouco.
  Neguei, não sou capaz de me divertir dadas as circunstâncias e não vou estragar a festa dos seus 16 anos.
  Ele não me compreendia, aliás, como poderia ele compreender-me, a sua relação com o irmão mais velho não passava de uma fachada, era quase como um filho único, o seu irmão raramente parava em casa durante o dia e passava a noite em bares e discotecas com os amigos. Era mais velho que o meu namorado, dois anos, e isso atribuía-lhe um estado de liberdade que eu nunca compreendera, mas também nunca me interessara muito por isso para ser honesta, só o tinha visto apenas uma vez, e o resto que conhecia dele era pelas histórias que o Jorge contava. Eram muito parecidos, o João, irmão do Jorge, era um pouco mais baixo do que ele, rondando o metro e sessenta e seis enquanto o Jorge atingia mais ou menos metro e sessenta e nove. Eram ambos morenos, o Jorge tinha os olhos castanhos muito escuros, perto do preto o que tornava o seu olhar penetrante, enquanto os João eram mais claros e tornavam o seu olhar mais brincalhão e divertido. Eram ambos muito parecidos com a mãe, uma senhora bastante simpática.
  Fora ela que me ajudara a falar com o Jorge, explicando-lhe mais uma vez, repetindo o que já lhe tinha dito, que era o último dia antes das aulas começarem e que eu queria ir  visitar a minha irmã, e que não me sentiria bem num ambiente de festa porque o meu estado de espírito não o permitiria. Ele mais uma vez não compreendeu, decidi ignorar isso.
  Foi o que fiz nesta tarde, passei pela casa dele para lhe dar um beijo de aniversário e segui directa para o hospital. Estava ansiosa para ver a minha irmã e era apenas nisso que me concentrava enquanto ouvia música random do meu ipod, oferecido pelos meus pais no Natal passado, e olhava pela janela do autocarro.
  Ao meu lado estava um idoso dos seus sessenta e cinco anos. Devido ao cansaço adormeci para cima dele. Ele não se importou.
  Acordei quando o autocarro parou na paragem antes da do hospital. Levantei-me, pedi desculpa ao senhor e agradeci-lhe, dirigi-me para a porta e quando o autocarro parou novamente saí e entrei no hospital pela porta principal.
  Encaminhei-me para o quarto e entrei de mansinho. Na mesinha de cabeceira tinha uma nota a dizer que  a minha mãe e o meu pai estavam lá em baixo a tomar um café. A cafetaria era um sítio enorme, era lá que jaziam os corpos de familiares obrigados a comer para repor as energias que as lágrimas lhes roubaram, e também dos felizardos que sorriam com as boas notícias vindas dos seus parentes e amigos. Só lá tinha estado uma vez, sentira-me mal ali, era um sítio alheio onde eu não pertencia.
  Sentei-me no banco junto da cama e tirei o material de desenho, queria fazer um retrato da minha irmã.
  Quando terminei e o olhei de longe não gostei do produto final, cheguei à conclusão que aquela não era ela, não era a Sofia que conhecera toda a vida.
  Os traços no papel marcavam uma expressão por mim desconhecida, macilenta, sem vida.
  Não era ela.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

11 de Setembro de 2010

  Hoje é sexta feira, o último dia de férias antes do doloroso regresso às aulas, depois só me resta o fim de semana.
  Não quero iniciar uma nova história, um novo capítulo numa nova escola sem que ela esteja presente para me ver.
  Estou fraca, desfalecida, cansada, triste e horrorizada com esta história, gostava de me mudar para outro mundo, sem dor, isolar-me de tudo, mas ao mesmo tempo não quero afastar-me do Jorge e, principalmente, não quero deixar a minha mãe, nem, apesar de tudo, o meu pai, porque neste momento eles precisam mais de mim do que alguma vez precisaram. Não quero suportar esta incansável luta contra a morte que vejo nos olhos dela todos os dias, cada dia mais fraca, cada dia mais distante.
  Falo-lhe, não me responde, digo que vai correr tudo bem quando sei que não vai, como pode ela acreditar nas minhas palavras quando nem eu própria acredito ?
  Os médicos disseram que a recuperação é impossível, o acidente foi muito grave, o corpo encontra-se irremediavelmente ferido, não quero acreditar.
  Sim, o acidente foi feio, a mota ficou despedaçada e com ela também o corpo dela.
  Fica comigo, corre comigo mais uma vez quando fazias quando era pequena, quando me agarravas na mão e me levavas contigo para um mundo nosso, que só nós conhecemos. Agarra-me outra vez ao colo e deita-me ao teu lado. Conta-me uma história para eu adormecer. Adormece comigo e acorda com os meus beijinhos doces na tua face, aqueles que só a ti sei dar. Não adormeças para sempre, volta a acordar comigo mana.
  Amanhã tenho a festa de aniversário do Jorge, não quero ir, não estou com disposição, vou ser uma péssima companhia para todos.
  Quero morrer. Não é suposto uma criança de 15 anos passar por isto. Vamos lutar juntas por ti. Fica comigo.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

8 de Setembro de 2010

  Não quero chamar "diário" a esta pequena compilação de inúmeros desabafos de uma vida banal, prefiro antes que seja chamado de "bloco de notas", porque assim não traz a ilusão de ser mais um daqueles fúteis cadernos pessoais associados a raparigas, que apenas os escrevem para mostrar às amigas que a sua vida é difícil e não presta quando na realidade o seu problema mais grave não passa de uma insignificante discussão com o namorado. Para mim um "diário" é demasiado superficial.
  Estar a escrever aqui é demasiado estranho para mim, não estou habituada a escrever sentimentos mas sim a falá-los, mas estes têm de se manter escondidos de qualquer ser humano porque são demasiado estranhos, confusos e sobretudo perigosos ao ponto de ferirem outro alguém que só tenciono proteger.
  Espero organizar as ideias rapidamente para poder deixar de escrever sobre sentimentos, não quero habituar-me a esta muleta que denomino de desabafar através de palavras escritas com algo que não pode responder a nenhuma das nossas lamentações e por isso se torna no melhor ouvinte, apesar de considerar cobardia esconder o nosso pior dos outros por medo.
  Sou a Joana, a cobarde da história, muito prazer.