Decidi não ir à festa do Jorge.
Expliquei-lhe o porquê e ele foi bastante querido, pelo menos esforçou-se por o ser, mas no fundo eu sei que ele se sentia frustrado por eu não ir. Apesar disso disse-me que não seria a mesma coisa sem mim e que se fosse até me poderia divertir um pouco.
Neguei, não sou capaz de me divertir dadas as circunstâncias e não vou estragar a festa dos seus 16 anos.
Ele não me compreendia, aliás, como poderia ele compreender-me, a sua relação com o irmão mais velho não passava de uma fachada, era quase como um filho único, o seu irmão raramente parava em casa durante o dia e passava a noite em bares e discotecas com os amigos. Era mais velho que o meu namorado, dois anos, e isso atribuía-lhe um estado de liberdade que eu nunca compreendera, mas também nunca me interessara muito por isso para ser honesta, só o tinha visto apenas uma vez, e o resto que conhecia dele era pelas histórias que o Jorge contava. Eram muito parecidos, o João, irmão do Jorge, era um pouco mais baixo do que ele, rondando o metro e sessenta e seis enquanto o Jorge atingia mais ou menos metro e sessenta e nove. Eram ambos morenos, o Jorge tinha os olhos castanhos muito escuros, perto do preto o que tornava o seu olhar penetrante, enquanto os João eram mais claros e tornavam o seu olhar mais brincalhão e divertido. Eram ambos muito parecidos com a mãe, uma senhora bastante simpática.
Fora ela que me ajudara a falar com o Jorge, explicando-lhe mais uma vez, repetindo o que já lhe tinha dito, que era o último dia antes das aulas começarem e que eu queria ir visitar a minha irmã, e que não me sentiria bem num ambiente de festa porque o meu estado de espírito não o permitiria. Ele mais uma vez não compreendeu, decidi ignorar isso.
Foi o que fiz nesta tarde, passei pela casa dele para lhe dar um beijo de aniversário e segui directa para o hospital. Estava ansiosa para ver a minha irmã e era apenas nisso que me concentrava enquanto ouvia música random do meu ipod, oferecido pelos meus pais no Natal passado, e olhava pela janela do autocarro.
Ao meu lado estava um idoso dos seus sessenta e cinco anos. Devido ao cansaço adormeci para cima dele. Ele não se importou.
Acordei quando o autocarro parou na paragem antes da do hospital. Levantei-me, pedi desculpa ao senhor e agradeci-lhe, dirigi-me para a porta e quando o autocarro parou novamente saí e entrei no hospital pela porta principal.
Encaminhei-me para o quarto e entrei de mansinho. Na mesinha de cabeceira tinha uma nota a dizer que a minha mãe e o meu pai estavam lá em baixo a tomar um café. A cafetaria era um sítio enorme, era lá que jaziam os corpos de familiares obrigados a comer para repor as energias que as lágrimas lhes roubaram, e também dos felizardos que sorriam com as boas notícias vindas dos seus parentes e amigos. Só lá tinha estado uma vez, sentira-me mal ali, era um sítio alheio onde eu não pertencia.
Sentei-me no banco junto da cama e tirei o material de desenho, queria fazer um retrato da minha irmã.
Quando terminei e o olhei de longe não gostei do produto final, cheguei à conclusão que aquela não era ela, não era a Sofia que conhecera toda a vida.
Os traços no papel marcavam uma expressão por mim desconhecida, macilenta, sem vida.
Não era ela.
Não era ela.